A UNESCO define a liberdade de informação como “o direito de ter acesso à informação detida por organismos públicos”, colando-a ao direito fundamental dos cidadãos à liberdade de expressão.
Comemora-se hoje o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa. Há por esse mundo fora, profissionais da imprensa que são vítimas de ataques, que são presos e mesmo torturados, há jornalistas e órgãos de comunicação social que são vítimas de ataques terroristas, profissionais da imprensa assassinados a soldo de governos, de organizações mafiosas ou de inconfessáveis interesses económicos.
Em regimes ditatoriais, os olhares que se lançam sobre a falta de liberdade de imprensa são claros para todos e são facilmente apreensíveis. Já nos regimes democráticos, para o comum dos mortais, pode tornar-se muito mais difícil distinguir as subtilezas que os governos nacionais ou locais e as entidades administrativas intermédias utilizam para restringir a liberdade de imprensa e para limitar os danos que esta pode causar, quando se depara com situações de gritante injustiça, de graves faltas de ética pública, de ilegalidade, de corrupção ou de gritante discriminação.
Não há trabalhos fáceis, nem há profissões nobres, a única diferença que há entre o trabalho dos magistrados, dos contabilistas, dos bombeiros ou dos polícias, dos padeiros ou dos médicos, dos políticos ou dos jornalistas, dos coveiros ou dos professores, é a mestria e a dignidade que emprestam ou não ao trabalho que desenvolvem.
Um dos fatores de que faz a liberdade de informação passa pela distância que os seus profissionais conseguem, ou não, manter face aos poderes que os tentam condicionar, e sempre tentam, garantidamente, umas vezes de um modo mais velado, outras de uma forma mais evidente.
O exercício da liberdade de imprensa exige distanciamento. Por isso, muitas vezes encaixa-se a comunicação social na gaveta das oposições. São sempre do contra, correm atrás do que é feio, do que é podre e dizem alguns, raramente mostram que o sol também brilha. Injustiças, direi eu. Para além da política, a comunicação social toca noutros temas que brilham, a cultura, o desporto, a ciência, a solidariedade, tudo isto, atividades que fazem contraponto de luz às sombras que a luta pelo poder sempre gera nas sociedades, em todas as geografias.
O exercício da liberdade de imprensa exige distanciamento.
Um órgão de comunicação social que vive alojado num edifício público, ou que aceita beneficiar do apoio encapotado de uma entidade pública para obter publicidade, pode exercer saudavelmente a sua obrigação de informar com liberdade e independência?
Um órgão de comunicação social alojado num edifício público, que ao longo das legislaturas raramente toca em temas políticos, mas que surge em tempos eleitorais a fazer entrevista política, pode exercer saudavelmente a sua obrigação de informar com liberdade e independência?
Um órgão de comunicação social que é dirigido por alguém pertencente à força política que detém o poder e que ao longo dos anos se esquece de noticiar com a necessária desenvoltura, todos os acontecimentos que possam eventualmente beliscar politicamente o partido a que pertence, pode exercer saudavelmente a sua obrigação de informar com liberdade?
Um órgão de comunicação social alojado em espaço público, que declara expressamente no seu estatuto editorial, que não quer fazer ondas, que nasceu para ser fofinho e só mostrar o que reluz, pode exercer saudavelmente a sua obrigação de informar com liberdade?
O exercício da liberdade de imprensa e da liberdade de informação exigem distanciamento.
Pode o mais importante interlocutor político de um país, de uma região ou de um determinado território, cerca de um ano antes das eleições, começar a fazer crónica política num órgão de comunicação social alojado num espaço que é propriedade da organização política que governa, sem que esse órgão de comunicação social se sinta usado? É que o exercício da liberdade de imprensa e da liberdade de informação exigem distanciamento.
Há muitos fatores que em democracia influenciam o são exercício da liberdade de imprensa e da liberdade de informação. O primeiro desses fatores é a independência financeira, sem ela não há projeto editorial que resulte em informação independente. Quando precisamos de colar-nos às forças que detêm o poder, tenham elas as cores e os sabores que tiverem, seja para conseguir publicidade com mais facilidade, seja para assegurar o espaço físico onde desenvolvemos a nossa atividade, seja para apoiar o projeto económico ou político da nossa predileção, estaremos a hipotecar a nossa liberdade de criação, estaremos a defraudar os nossos leitores, estaremos a prestar um péssimo serviço à cidadania, estaremos a abdicar da liberdade de imprensa e da liberdade de informação, porque estas exigem distanciamento. Um distanciamento que, como nós bem sabemos, deve ser equidistante do poder e das oposições. Desengane-se quem pensar que só as organizações que detêm o poder exercem pressão sobre a comunicação social, também aquelas que olham para o poder futuro, não se coíbem de pressionar a comunicação social.
Em abono da verdade direi, que o Jornal de Mafra nunca foi pressionado pelo poder. Não conhecemos a agenda das entidades que por aqui exercem o poder em nome de todos nós, ou do partido que as suporta, por vezes, os nossos emails ficam sem resposta, nunca conseguimos entrevistas de personalidades políticas ligadas à área do poder concelhio, nunca conseguimos que alguém dessa área aceitasse o nosso convite para assinar uma crónica política no JM, mas verdade se diga, nunca recebemos um telefonema ou ouvimos um remoque cujo objetivo fosse condicionar-nos ou sequer criticar o nosso trabalho. Sabemos que quando não estamos presentes, as críticas se fazem ouvir, mas isso é algo que encaramos com toda a naturalidade.
A liberdade de imprensa é fundamental para o exercício da democracia, por isso, o mínimo que se exige é que não sejam os próprios órgãos de comunicação social a pô-la em causa, fazendo um jornalismo “fofinho”.
Paulo Quintela
Diretor do Jornal de Mafra